quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Antes, peço desculpas, pois só agora venho a dizer algo, embora tenha sido muito agradável, provocativo, intelectualmente estimulante, o nosso encontro, por ocasião do IX Congresso, em Luanda, lugar desconcertante, ainda assim, e por isso mesmo (por quê, não?) extremamente atraente em seus desafios, que são os desafios da assim chamada periferia do mundo. De tão ampliada, de tão presente, os desafios socioambientais da periferia paradoxalmente estão no centro do mundo tal a compressão do tempo-espaço que se conseguiu realizar em meio século.
A metáfora da esteira é, de fato, um símbolo das mais representativos da atitude mental e prática que temos de cultivar, revalorizar, difundir, se estamos dispostos a contribuir para a construção de possibilidades nas quais a Terra continue nos aceitando entre as formas de vida que a constituem. E é justamente a tal atitude que gostaria de relacionar a importância da sociedade civil organizada, em movimentos e instituições como as ONGs, assim referidas a partir de fins dos anos 40. Não vejo, de acordo com minha parca capacidade de compreensão sociológica, como prescindirmos desse tipo de iniciativa, observando-se suas ações a partir da Amazônia Brasileira, lugar onde hoje habitam muitas dessas organizações, entre as quais já podemos encontrar verdadeiras agências de pesquisa e consultoria, gerindo um considerável orçamento, cujos recursos são captados em boa medida junto ao Estado. Passados pelo menos 15 anos da explosão dessas iniciativas estimulada pelos apelos salvacionistas da biodiversidade, as ONGs que têm se destacado neste conjunto são aquelas cuja organização é empresarial e os seus quadros não se confundem absolutamente com militantes, desprovidos de compromisso com lucro.
Nosso tecido institucional continua ainda frágil, embora tenhamos nos empenhado nos últimos vinte e cinco anos pelo fortalecimento da democracia e do regime republicano. Não temos uma sociedade política que contenha a sociedade civil em sua diversidade de propósitos. Nessas circunstâncias, a criação e a atuação das ONGs, especialmente as ambientalistas, precisam primar pela prática comprometida com outro modo de vida, ao mesmo tempo tendo, que, para sobreviver no campo, fazer concessões, agir conforme preceitua os ditames advindos de uma lógica econômica individualista (disputa pelo financiamento dos projetos), insaciável, cujo (des)propósito é servir à Deusa Acumulação. Reféns, dessa orientação, as ONGs podem apenas está realizando uma ação que em nada contribua para o enfrentamento das engrenagens morais, políticas, econômicas e sociais que nos envolvem. Podem, inclusive, apenas contribuir para a próxima metamorfose do Capitalismo, que, segundo Boltanski, em seu terceiro espírito (cité por projetos) já se encontra. Para que nossas ações e mentes, ainda de acordo com o autor citado, interajam por uma efetiva mudança a crítica continua oportuna, apesar do quão contribuíram para a renovação do Capitalismo. Por uma crítica artista (cultural) e socioambiental, o que pressupõe o diálogo, a negociação, mas nem tanta concessão assim, continuo crendo no papel eficaz que as ONGs podem desempenhar nesse movimento por um outro mundo possível.
Registro aqui, portanto, algumas referências que considero importantes(não como manuais, mas como boas para pensar) para nossa caminhada.
A Arrogância do Humanismo (Ehrenfeld, D). A Corrosão do Caráter (Sennett, R). O Terceiro Espírito do Capitalismo (Boltanski, L e Chiapello, E), Desenvolvimento como Liberdade (Sen, A). O Homem e o Mundo Natural (Thomas, K).
Em anexo envio uma cópia da Carta da Terra. Ela contém o espírito da esteira, que deve ser o do resgate, ou da invenção de condições para que a vida humana, mas não só, tenha direitos à construção de narrativas pessoais marcadas pela convivialidade, o respeito, a capacidade de ouvir.
Deixo aqui o meu sincero abraço a todos aconchegados nesta esteira dispostos a assumir o potencial Colibri e a plantar Moringas. Após as Festas, de volta do Semi-árido nordestino às ainda abundantes águas amazônicas, falarei com todos novamente.

Maria José Aquino

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