Pensar a ecologia em África não é uma utopia
I Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável
Formar as populações para actuarem numa perspectiva de desenvolvimento ecologicamente sustentável no continente africano, assolado por gravíssimas carências em todos os domínios, pode parecer uma utopia. Mas não é assim que pensa um grupo de docentes universitários que está a lançar as bases para um projecto de intervenção social e ambiental junto das populações locais. A ideia foi lançada há pouco tempo na Universidade Agostinho Neto, em Luanda, e está neste momento em marcha. Um dos seus principais dinamizadores é Jacinto Rodrigues, professor catedrático da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, que explicou à PÁGINA as ideias chave deste projecto.
Esteira do Ambiente
A ideia nasceu no último Congresso Luso-Afro-Brasileiro – um espaço de debate dinamizado por um conjunto de académicos oriundos de diversas universidades do espaço lusófono -, realizado no final de Novembro de 2006 na Universidade Agostinho Neto, em Luanda. Objectivo: formar localmente agentes de eco-desenvolvimento e dinamizar comunidades agro-ecológicas sustentáveis, apoiadas em tecnologias apropriáveis e energias renováveis, tanto em contexto urbano como rural, em países africanos de língua portuguesa.
A meta, tal como reconhece Jacinto Rodrigues, um dos responsáveis pela "Esteira do Ambiente" - nome pelo qual este grupo se quer dar a conhecer -, é "ambiciosa". Mas não impossível. O trabalho desenvolvido por uma outra organização não governamental com a qual têm colaborado e que trabalha na área da formação médico-sanitária, a alemã Anamed, mostra que isso é possível.
Esta ONG realiza regularmente seminários sobre medicina natural em vários países africanos, nomeadamente em Angola, através dos quais os formandos - médicos, enfermeiros, técnicos de saúde básica e mesmo curandeiros tradicionais - são orientados para a prática da medicina convencional recorrendo aos recursos naturais disponíveis.
O principal objectivo da Anamed é proporcionar ajuda directa às comunidades situadas em áreas desfavorecidas no tratamento e prevenção de doenças como a malária e a sida, recorrendo para isso sobretudo à flora local, procurando, deste modo, que as populações locais se tornem menos dependentes dos fármacos importados de países ocidentais.
À semelhança desta ONG, um dos objectivos da Esteira do Ambiente é divulgar junto das comunidades locais as propriedades terapêuticas e alimentares de determinadas árvores e plantas, que, de uma forma barata e amiga do ambiente, podem contribuir significativamente para diminuir a subnutrição e debelar doenças comuns nestas zonas.
Jacinto Rodrigues cita os casos da Moringa Oleífera e a Artemísia Annua, ambas com propriedades terapêuticas e alimentares muito significativas, susceptíveis de proporcionar não só uma base alimentar (no caso da Moringa as folhas são comestíveis e garantem uma alimentação rica em vitaminas, oligoelementos e cálcio) como o fabrico de medicamentos. "Costuma até dizer-se que quem planta uma moringa no quintal tem uma farmácia ao lado de casa", diz Rodrigues, referindo igualmente a importância da Neem, uma planta infestante que funciona como bio-repelente natural, afugentando mosquitos e outros insectos transmissores de doenças em climas tropicais.
A valorização da flora local, porém, é apenas uma das facetas de uma estratégia mais vasta que a Esteira do Ambiente pretende ver implementada no sentido de fomentar processos capazes de contribuir para a melhoria de vida das populações através de meios ecológicos e sustentáveis. Jacinto Rodrigues refere como exemplo a possibilidade de construção de habitações mais sólidas e bioclimatizadas construídas a partir de tijolos fabricados com a própria terra.
Mas não são apenas os aspectos de ordem prática que a Esteira do Ambiente quer ver implementados. O que se pretende, diz Rodrigues, é uma "revolução mental, política e cívica" que "ajude as populações a tomar em mãos o seu próprio destino". Para concretizar este objectivo, diz, o grupo quer dinamizar a formação técnica e pedagógica de agentes de eco-desenvolvimento nos próprios locais de intervenção, capazes de tirar partido dos recursos naturais e saberem aplicá-los na área da medicina natural, da auto-construção e das energias renováveis, num processo de aprendizagem que se quer adquirido de forma prática e numa base recíproca.
Para isso, garante Rodrigues, "não é preciso construir 'elefantes brancos', traduzidos em universidades e pólos", mas tão só que se estabeleça uma rede de académicos com experiência no domínio do desenvolvimento ecologicamente sustentável, em parceria com as universidades e os agentes locais, que possa circular nos diversos territórios de actuação e dar formação numa "perspectiva de transformação da realidade social".
Com vista a preparar as bases desta futura plataforma internacional, a Esteira do Ambiente irá organizar o I Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável, agendado para 2 e 3 de Maio na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, onde, para além de aprofundar este debate, se procurará reunir responsáveis universitários dispostos a viabilizar este projecto e estabelecer protocolos com instituições congéneres nos países africanos.
Mais informação pode ser encontrada no blog "Esteira do Ambiente", espaço de comunicação na Internet em torno do desenvolvimento ecologicamente sustentável, que pode ser visitado em http://ecologiaambiente.blogspot.com.
Artigo de Ricardo Jorge Costa; Jornal a Página da Educação" , ano 16, nº 165, Março 2007, p. 14.
terça-feira, 3 de abril de 2007
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1 comentário:
É disto que precisamos. Chega de campanhas para o meio ambiente puramente publicitárias. Os governos tem de desenvolver projetos baseados em tecnologia limpa e buscando aomesmo tempo desenvolver comunidades pobres.
ONGs de grande expressão, como o Greepeace, devia ter uma linha de projetos para desenvolvimento economico regional, e não apenas ficar fazendo protestos e publicidade.
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